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Querido Franz, Recentemente estive na sua mãezinha de garras, a sua antiga - e tão nova para mim – Praga. Fui atrás de algumas respostas e voltei com mais perguntas, por isso tomei coragem e liberdade para lhe escrever, a fim de relatar minhas inquietações.
Primeiro quero me apresentar, sou Eliana Monteiro, mas pode me chamar de Lili. Já dirigi um peça cuja criação foi inspirada em sua obra "O Castelo". Chamei-o de "Kastelo". O meu Kastelo fala sobre a sociedade de controle, algo que você deve conhecer muito bem, pois, se não fosse a Revolução de 1848, onde o governo autocrático assegurou direitos integrais de cidadania aos judeus que havia no império, inclusive direito de se casarem segundo a própria vontade, se estabelecerem nas cidades e ingressarem no comércio e nas profissões liberais...Fico imaginando a felicidade de Jakob Kafka, segundo filho de uma família judia que, de repente, ganha o direito de casar-se. Franziska é imediatamente desposada e, em nove anos, seis filhos, dentre os quais, Herrmann – o seu pai. Mas o controle, como sabemos, não acabou por conta de algumas concessões. Havia por trás delas considerações políticas e econômicas, não humanitárias. E essa vigilância perdurou muito tempo ainda.
Onde eu nasci e vivo até hoje, minha mãezinha de garras, o controle, é mais sútil, mas também muito perverso. Em nome da segurança instalamos câmeras em todos os lugares, públicos e privados. Tudo e todos são monitorados vinte e quatro horas por dia. Vivemos em bolhas e, por isso, temos muito medo de não nos inserirmos, de não pertencermos... Isto nos faz trabalhar absurdamente para fazermos parte do que quer que seja, dos desejos criados em nós. Também falo sobre o trabalho no meu "Kastelo", assunto tão conhecido pelos Kafkas, os seis filhos de Jakob. Desde muito pequenos já tinham ulcerações na pele por entregarem carne kosher para a vasta clientela de seu pai. Herrmann, seu próprio pai, não teve tempo para outra coisa senão trabalhar. Primeiro para sobreviver, depois para constituir a família. E como ele mesmo dizia: “Você não sabe como vive bem... Quando eu tinha a sua idade...”Como lhe disse acima trabalhamos muito. Através de imagens nos vendem sonhos, ou ilusões.
Parece que todos buscamos a adolescência eterna, tanto crianças como adultos, os desejos sempre aguçados e explorados, o consumo desenfreado, os pais não querem cometer os mesmos erros dos seus pais...Se no seu tempo e país havia o ensino compulsório, onde a aprendizagem da língua alemã na escola era obrigatório e só se podia falar tcheco em casa... um absurdo se pensarmos que um idioma estrangeiro é imposto.
Aqui no meu tempo e país há uma lei que faz com que os estudantes passem de ano só pela presença em sala de aula, não importa se eles aprendem ou não, a presença é o que importa. Desta forma estamos assistindo a formação deum exército de ajudantes gerais, o que é uma violência sem precedentes, pois limita o poder de raciocínio. Se a manipulação se dá pelo conhecimento veja o horror: há uma massa amorfa a ser moldada. Se na sua época o controle imperava na minha época o descarte, humano inclusive, é o modelo de felicidade a ser seguido.
Gostaria de entrar, neste momento, numa questão delicada para você. Me desculpe, mas é de meu total interesse. Talvez eu descubra algumas respostas, a partir deste nosso encontro, para tamanho controle, trabalho e descarte, como lhe descrevi acima. Trata-se da Carta para seu Pai. Gostaria de entender melhor o seu cárcere... Você diz num certo trecho ”...Entre nós não ouve propriamente uma luta; fui logo liquidado; o que restou foi fuga, amargura, luto, luta interior...”Nos tempos em que vivo parece que nos colocaram um "chip", ou dispositivo móvel que recebe informações via satélite. Nestes tempos somos todos politicamente corretos e, se não conseguimos algo, é por incapacidade única e exclusiva do individuo, pois o estado, assim com Herrmann, fizeram o que podiam. E em outro trecho de sua Carta ao Pai você escreve: “...A impossibilidade do intercâmbio tranquilo teve outra consequência na verdade muito natural: desaprendi a falar...” Já lhe relatei acima sobre o exército que está sendo formado, ou de pessoas que tagarelam muito, possuem opiniões sobre tudo, mas que no fundo funcionam como papagaios, pois na verdade repetem discursos alheios, ou de outros que simplesmente se calam, emudecem. Em seu último conto, “Josefine, a Cantora-”, quando você já estava em seu leito de morte nos deixou conhecer o mundo em que seu pai, Herrmann Kafka, crescera: ... referindo-se à “nação do ratos”... que nossa vida é de tal ordem que uma criança, mal aprende a anda um pouco e consegue, num certa medida, achar seu caminho no mundo, tem que cuidar de si mesma tal como um adulto.
Estamos, por motivos econômicos, espalhados por uma área grande demais, nossos inimigos são numerosos demais, os perigos que nos espreitam em toda parte são imprevisíveis demais – simplesmente não podemos dar-nos o luxo de proteger nossos filhos da luta pela existência: fazê-lo seria condená-los a uma sepultura precoce. Mas há uma razão adicional a ser citada, mais esperançosa do que deprimente: a fertilidade de nossa tribo. Uma geração – e cada qual é imensamente populosa – comprime a outra: as crianças não têm tempo de ser criança ... mal uma criança aparece, já não é mais; outros rostos de crianças a empurram por trás ... róseos de felicidade. No entanto, por mais atraentes que isso seja, e por mais que os outros, justificadamente, nos invejem por isso, persiste o fato de não podermos dar a nossos filhos uma infância verdadeira. Esse tempo em que Herrmann Kafka foi criança há assemelhas com a minha época, crianças “que amadurecem a força, no cimento, que tentam a todo custo sobreviver ao descarte, que tem o desejo de se inserir numa sociedade que não as prepara para isso. Do tempo em que Herrmann Kafka foi criança, há semelhança com a minha época. Crianças “que amadurecem à força, no cimento, que tentam sobreviver ao descarte, e que têm o desejo de se inserir numa sociedade que não as prepara para isso". Gostaria de saber porque você, em sua época, não se casou com Felice. Por duas vezes você noivou e desistiu. Ou com Milena... Com Dora já muito doente viveu algum tempo... Mas sempre retornando à casa paterna. Fico pensando por que você não foi viver sua vida, porque resolveu ficar e apenas ser filho...
FICHA TÉCNICA
Criação: Teatro da Vertigem
Concepção e Direção Geral: Eliana Monteiro
Texto: Alexandre Del Farra
Atores: Antônio Petrin, Mawusi Tulani, Paula Klein, Rafael Lozano e Sergio Pardal
Desenho de Luz: Guilherme Bonfanti
Cenografia: Marisa Bentivegna
Trilha Sonora: Erico Theobaldo
Figurino: Marina Reis
Vídeo: Grissel Piguillem
Sonorização: Eduardo E. Murai, Tiago de Melo, Kako Guirado
Dramaturgismo: Antônio Duran
Preparação corporal: Kênia Dias
Preparação Vocal: Ariane Moulin
Assistente de Cenografia: Rogerio Romoaldo
Assistente de Figurino: Guilherme Fraga e Fernanda Attanaso
Operação de Luz: Danielle Meirelles
Operação de Som: Lutz Gallmeister
Operação de Vídeo: Michelle Bezerra
Diretores de Cena: Isabella Neves e Daniel Roque
Cenotecnia: Cesar Resende de Santana
Maquinaria: Gereba
Eletricista: Fabio Vitorino
Estagiários de Luz: Felipe Tchaça, Camille Laurent, Piu´ Dominó, Nei Vieira
Estagiários de Cenário: Beatriz Mendes, Erika Curto, Luma Souza
Estagiários de Dramaturgismo: Daniel Dalmoro e Bruna Menezes, Carolina Viana
Estagiários de Áudio: Viviane Barbosa
Produção Executiva: Marcelo Leão
Assistente de Produção: Leonardo Monteiro
Direção de Produção: Teatro da Vertigem e Núcleo Corpo Rastreado
Designer Gráfico: Luciana Facchini
Assessoria de Imprensa: Marcia Marques - Canal Aberto